Representatividade Transfeminina em Pathfinder Segunda Edição

Vitoria Faria
4 min readMar 25, 2022

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Eu faço um esforço ativo pra não parecer fangirl de Pathfinder (e eu sei, eu falho miseravelmente), tentando apontar de maneira bem clara porque eu gosto dos elementos utilizados e que nada impede que outros jogos os utilizem. Como é um tema muito próximo da minha vivência, costumo apontar a representatividade de pessoas trans no lore, mas como Pathfinder acerta nisso?

Neste texto focarei mais especificamente nas pessoas transfemininas por ser minha vivência e lugar de fala mais específica. Vou colorir essa página com alguns exemplos, mas não tenho intenções de fazer uma lista compreensiva. Tem gente por aí tentando fazer esse tipo de esforço, mas pela natureza do cenário e velocidade publicação, estão quase sempre fadados e se manterem desatualizados.

Anevia Tirabade, vem desde a primeira edição em Wrath of the Righteous o que recentemente a garantiu um espaço em um videogame, muito bem casada com uma ork paladina, mas sua jornada não termina aí

Antes de mais nada, representatividade em si não sempre é necessariamente uma coisa boa, é possível acabar com representações estereotipadas e problemáticas que fazem mais mal do que bem.

Talvez a melhor forma de fugir disso, e o que as pessoas envolvidas com a Paizo andam fazendo, é antes de mais nada contratar pessoas trans para escrever personagens trans pra início de conversa (infelizmente, a maioria como freelancer ao invés de funcionárias contratadas, mas isso é uma história pra outro dia).

Não quero sugerir que é impossível que uma pessoa cis escreva uma mulher trans de maneira bem intencionada, porém, pelo menos contratar uma pessoa trans para fazer leitura sensível de forma a detectar gafes introduzidas é o mínimo que um trabalho sério da escala discutida deve fazer.

Um fator importante que não pode ser desconsiderado, é o legado de tentativas anteriores de incluir representatividade ainda durante a primeira edição, muito material dessa época não seria considerado muito bom hoje em dia, mas estabeleceu uma posição e direcionamento que atraiu pessoas LGBTIQA+ para o cenário, que disparou um ciclo de feedback que levou às melhorias que vemos hoje na segunda edição.

Iltara Clavela, mestra de magia de transmutação pois na Rúss… em Absalom a mulher trans transiciona você!

Mas agora, sobre o conteúdo em si, o que é feito certo? As NPCs trans são descritas e ilustradas de forma coerente com as outras personagens da ambientação, heroínas de espada e feitiçaria que afetam o mundo de maneira reconhecível.

A transgeneridade delas não é descrita como um grande e intrínseco flagelo em suas vidas, mesmo que elas tenham enfrentado algumas condições adversas em relação a isso, no final é uma característica como qualquer outra, sem julgamento de valor.

Elas não são exageradamente sexualizadas, e, não exagerando para o extremo oposto, também não tem suas sexualidades apagadas. Muitas vivem ou viveram relacionamentos afetivos, românticos e sexuais saudáveis. E, é claro suas sexualidades não são definidas por expectativas cishetero-normativas, assim muitas também são boa representatividade de outras letras da sigla.

Shardra Geltl, icônica de Shaman, que ainda não voltou como classe em P2 mas já fez um cameo no Lost Omens World Guide

Cada uma lida com a própria transgeneridade de maneira diferente, e o tipo de caminho de transição que decidem tomar não é estático ou padronizado. Nem todas tem isso descrito de maneira explícita (e o sentimento de que isso não é obrigatoriedade em si é uma coisa boa). Mas dentro das que sabemos alguma coisa, pelo menos uma tomou um serum of sex shift de forma a tornar seu corpo mais alinhado com a sua identidade de uma vez (Anevia), outra usou de runas imbuídas de poder divino que alinhava seu corpo aos poucos (Sharda), outra dominou magia de transmutação das magias do norte (Iltara), uma chegou ao ponto de fazer um pacto com um artefato proteano para reescrever sua própria história (Il’setsya) e algumas tem a implicação de que fizeram pouco ou nada para alterar seus corpos e suas vidas, pois não sentiam a necessidade disso.

Pelo menos uma das mulheres trans do lore, Kalabrynne Iomedar, gerou uma filha com outra mulher, o que em sim traz implicações muito próprias, e eu adoro ver a representatividade de mulheres trans que são mães em particular. (A filha não foi criada com gênero imposto e cresceu como uma pessoa não binária que usa pronomes femininos, aliás).

Kalabrynne Iomedar, capa do Knights of Lastwall que será lançado em maio, trans, mãe, e o character design mais badass que você vai ver na vida

Todas essas histórias seriam vazias em um mundo com implicações de essencialismo de gênero, pois nem toda representatividade do mundo vai concertar uma ambientação que tem gênero construído como conceito imutável em sua metafísica, felizmente a segunda edição carrega o esforço de eliminar esse essencialismo, algo que pode ser notado na forma em que as criaturas tradicionalmente carregadas de gênero são descritas nos bestiários. E na forma que os itens e efeitos relacionados a gênero tomam cuidado para não implicar em binarismos desnecessários.

Il’setsya Wyrmtouched não conhece o conceito de sutileza, se faça um favor e procure fan-art dela. Me sinto confortável com uma personagem smut fuel contanto que nem todas o sejam

É claro, eu não sou nenhuma autoridade no assunto e todas essas opiniões são coloridas pela minha vivência específica, e com certeza alguém de outro recorte ou mesmo outra mulher trans pode discordar de mim em algum ponto, em geral, não confie em ninguém falando sobre transgeneridade como se representasse uma voz unificada, algo que absolutamente não me proponho fazer. Assim como em Golarion, em nosso mundo nossas experiências são diversas e fazem parte de um espectro infinito que não pode ser sempre segregado em caixas bem definidas.

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Written by Vitoria Faria

(ela/dela) - Súcubo dorky que gosta um pouco demais de jogos de mesa - Faz outras coisas na vida, mas raramente fala sobre - Travesti, sáfica e poliam

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