Quadro Fatal — Micro-PbtA

Vitoria Faria
8 min readOct 21, 2023

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Imagem em primeira pessoa de alguém tentando fotografar fantasmas hostis
Diga Xis!

A Olivia montou o WiiU dela aqui em casa, e me fez jogar aquele Fatal Frame feito pra esse console, em que você usa o game pad como uma câmera física para fotografar os fantasmas, como se realmente estivesse naquele ambiente.

Além da nostalgia, lembrando de uma adolescência jogando Fatal Frame 3, uma característica em especial do jogo pulou pra mim na hora, a mecânica de… Fatal Frame (sim, é o mesmo nome do jogo). Tirar a foto do espírito no momento exato em que ele tenta te atacar, o quão mais pavoroso e imediato o risco, mais forte a sua foto, que se tirada corretamente, se torna um registro dos piores pavores que você pode encontrar nesse tipo de jogo enquanto fortemente empurra o espírito para fora da realidade novamente, mas se tirada incorretamente, bem… digamos que os fantasmas aqui tem seu próprio jeito de te puxar pra morte junto com eles.

Sendo a Vitoria, é lógico que eu tentei pensar em uma forma de capturar isso em um RPG, aqui registro um esboço disso. Imaginei que usar uma pegada narrativista baseada em estados narrativos para contabilizar o nível de perigo iminente funcionasse o suficiente bem para capturar isso, assim, usei algumas das já velhas mecânicas de Apocalypse World aqui.

A dinâmica base

O jogo é feito para ser jogado por apenas duas pessoas, o Revelador, o narrador do jogo, e o Fotógrafo, que comanda as personagens jogadoras.

O Fotógrafo alterna controlando três personagens diferentes, cada uma focada em um dos três atributos do jogo. A maior parte do jogo se passa em um mundo entre o mundo real e o mundo dos sonhos, que as personagens visitam quando dormem, todas as três tem lembranças do que aconteceu cada noite, mas apenas uma aparece em cada sonho, e pode controlar o que faz, por vez. Sinta-se livre para decidir entre Revelador e Fotógrafo se as personagens já se conhecem na vida real e se podem se comunicar nela. Sugere-se que a narrativa avance de forma que esse mundo intermediário e o mundo real se misturem cada vez mais a cada noite passada.

No mundo intermediário, a personagem da noite aparece em um lugar sombrio e aparentemente abandonado que é consistente de noite para noite, as ações de uma personagem em uma noite afetam o que a próxima encontrará em uma noite seguinte. Se uma personagem encontrar uma porta emperrada e conseguir arrombá-la, a personagem da próxima noite encontrará uma porta já arrombada, por exemplo.

A personagem também aparece portando um item curioso, uma câmera de filme antigo, cujas fotos capturam parte da essência de um fantasma, e assim pode ser usada para se defender deles. A câmera também aparece no mundo real quando a personagem acorda, e ela é livre para revelar e rever as fotos que tirou no mundo dos sonhos (sim, cada uma das três personagens tem uma cópia da câmera, que em essência ainda é a mesma câmera, se o deus cristão pode ser uma trindade e um ao mesmo tempo, uma câmera estranha de um jogo de terror também pode).

Os atributos

Cada personagem possui três atributos: Corpo, Mente e Alma. Cada uma precisa ter um dos atributos diferentes como maior valor. Divide-se três pontos para cada, podendo variar de -1 a 3. Alguns arrays possíveis são:

  • 3, 1, -1
  • 3, 0, 0
  • 2, 1, 0
  • 2, 2, -1

Oa maior atributo, o que define a personagem, é usado como sua pontuação de vida, seu Atributo Essencial. quando chega a 0, as outras personagens acordam exasperadas, e a personagem que chegou a 0 nunca mais volta a participar dos sonhos. O que realmente aconteceu com ela? Revelar isso fica a critério do Revelador.

A diminuição do Atributo Essencial por dano de fato afeta as jogadas do atributo atrelado, assim, a personagem fica mais fraca ao correr da noite. Na manhã seguinte, todos os pontos de todas as personagens voltam a seus valores iniciais.

Teste padrão

O teste é feito somando: 2d6 + atributo + modificador de estado + outros modificadores, e comparado a três níveis de sucesso:

  • 10+: Sucesso
  • 7–9: Parcial
  • 6-: Falha

Em um Sucesso, geralmente o Fotógrafo consegue o que tentou fazer, em um Parcial, consegue o que tentou fazer mas sofre uma consequência por isso, em uma Falha, geralmente tem que lidar apenas com as consequências de suas ações e não se beneficia diretamente disso, mas as consequências ainda podem mudar a narrativa de forma que surjam outras formas de lidar com seus problemas.

Os estados de Ameaça

O jogo acontece em quatro estados de ameaça:

  • Silêncio: 0
  • Angústia: -1
  • Horror: -2
  • Pavor: -3

Sempre que um fantasma aparece, o nível de ameaça piora em um passo. Geralmente, quando não se está lidando com nenhuma entidade, o nível permanece em Silêncio, mas outras situações narrativas podem piorar o estado mesmo sem nenhum espírito por perto.

Movimentos

Alterar o Ambiente

Jogado com Corpo, quando o Fotógrafo tenta destravar uma porta, empilhar móveis para subir para um andar de cima, derrubar tábuas podres para abrir uma passagem, etc.

Sucesso: O Fotógrafo altera o ambiente sem grandes problemas.

Parcial: O Fotógrafo altera o ambiente como desejado, mas isso revela um novo elemento narrativo que pode aumentar o nível de ameaça. Quem diria que tinha um fantasma atrás daquela porta emperrada?

Falha: O Fotógrafo não consegue alterar o ambiente como desejado, e ainda por cima algum elemento que aumenta o nível de ameaça pode surgir para atrapalhar. Ou, a critério do Revelador, se o que o Fotógrafo tentou for particularmente perigoso, ele pode tomar 1 de dano.

Procurar Respostas

Jogado com Mente, o Fotógrafo examina algum elemento do ambiente ou indivíduo cuidadosamente, seja com sua câmera ou outro método que preferir.

Sucesso: O Fotógrafo descobre uma pista, e o Revelador explica como é relevante ao mistério do local abandonado investigado.

Parcial: Escolha 1:

  • O Fotógrafo apenas descobre a pista, a relevância real dela deve ser deduzida por ele.
  • Como em um Sucesso, mas um elemento narrativo que aumenta o nível de ameaça pode surgir dessa revelação, ao critério do Revelador.

Falha: Um elemento narrativo que aumenta o nível de ameaça pode surgir dessa revelação, ao critério do Revelador. Sugere-se que não abuse disso, de forma a não desestimular investigações desnecessariamente.

Barganhar

Jogado com alma. O Fotógrafo tenta convencer alguém de alguma coisa, ou a fazer alguma coisa. É bom frisar, a maioria das entidades hostis simplesmente não pode ser barganhada diretamente, mas formas criativas de tocar o âmago delas, talvez mostrando algum item ou fato importante para suas vidas perdidas, são estimuladas.

Sucesso: O alvo se comporta de maneira próxima a desejada pelo Fotógrafo. Mas isso não deve ser tratado como controle mental, o Revelador ainda tem controle sobre as ações do alvo, e pode simplesmente decidir ignorar uma tentativa de influência que não faz sentido na ficção.

Parcial: Como no sucesso. Mas o alvo pode se tornar hostil, aumentando o nível de ameaça, ou apenas faz o pedido de forma a trazer um elemento narrativo novo não previsto.

Falha: O Fotógrafo irritou alguém, é melhor correr. O nível de ameaça aumenta. Seja pelo alvo se tornando hostil ou por outra consequência não prevista.

Evitar Perigo

Jogado com corpo. É hora de correr ou se esconder!

Sucesso: O Fotógrafo consegue alcançar a segurança, reduzindo o nível de ameaça em pelo menos um. A critério do Revelador.

Parcial: Como em um sucesso. Mas o Fotógrafo não foi rápido o suficiente para sair dessa completamente inteiro. Se engajado com uma entidade, perde pelo menos um ponto de vida, ou o valor da Alma do fantasma que estava enfrentando. O fantasma, pelo menos, não consegue continuar perseguindo o Fotógrafo diretamente. Mas ações pouco cautelosas na ficção pode mudar isso rapidamente. Se não estava engajando uma entidade desde o princípio, o nível de ameaça é reduzido, mas um novo elemento narrativo suspeito pode aparecer, a critério do Revelador.

Falha: O fotógrafo não conseguiu alcançar um lugar seguro. Ele perde pelo menos um ponto de vida, ou o valor da Alma do fantasma que estava enfrentando. O fantasma ou perigo continua engajado com o Fotógrafo. Se não estava engajando uma entidade desde o princípio, bem, o Revelador pode mudar isso, ou revelar outro elemento narrativo perigoso.

Encarar Perigo

Jogado com um atributo a escolha, geralmente o mais alto. Chega de correr, algumas questões devem ser encaradas de frente.

Sucesso: O Fotógrafo propositalmente aumenta o nível de ameaça, mas ganha um modificador de +2 para um próximo movimento de Exorcizar ou quadro Fatal.

Parcial: Como no sucesso, mas ganha apenas um modificador de +1

Falha: O Fotógrafo está na cara do perigo, mas falhou em tirar coragem de suas ações. O nível de ameaça piora, e nada mais.

Exorcizar

Jogado com mente. É hora de apontar a câmera para essas criaturas e mostrar que elas não são as únicas que conseguem arrancar um pedaço da vida de alguém.

Sucesso: O Fotógrafo conseguiu um belíssimo close-up daquele encosto. O fantasma perde uma quantidade de Mente igual ao valor de Alma do Fotógrafo, mínimo 1.

Parcial: Como no sucesso, mas o fantasma contra-atacou. O Fotógrafo também perde uma quantidade de seu Atributo Essencial igual ao valor de Alma do fantasma, mínimo 1.

Falha: O Fotógrafo não conseguiu nem acertar o foco direito. Perde uma quantidade de seu Atributo Essencial igual ao valor de Alma do fantasma, mínimo 1.

Quadro Fatal

É a versão mais letal e arriscada de Exorcizar, que só acontece quando a ameaça chega ao nível de Pavor. Igual a Exorcizar em tudo, mas o dano causado ao fantasma é Alma vezes quatro (x4).

Fantasmas

Fantasmas não tem corpo, assim são definidos apenas pelos seus valores de Mente (pontos de vida, ou pode ser vista como uma abstração de "clock") e Alma (potência de seus ataques contra os vivos).

Quando um fantasma chega a 0 de Mente, ele foi exorcizado de maneira bem sucedida, pelo menos por agora. O Revelador é livre para criar fantasmas com características especiais, como fantasmas que aparecem de novo depois de algum tempo se não forem exorcizados de uma maneira ou com um item especial. Ou temíveis fantasmas que só podem ser exorcizados de fato com um movimento de Quadro Fatal.

Bem, esse é o núcleo da ideia, vocês devem ter percebido que não usei de vários lugares comuns de PbtA, como o uso de playbooks, por exemplo. isso tem dois motivos, primeiro, eu não gosto muito de playbooks e não acho que encaixam muito nessa proposta, e, segundo, isso é um jogo minimalista que pode ser usado como semente para outras ideias.

Sintam-se livres para expandir sobre ela, seja abraçando o sabor de Fatal Frame ainda mais, adicionando elementos como filmes diferentes, com potências diferentes e de cargas finitas, por exemplo. Ou simplesmente pegando a ideia para fazer outra coisa.

Particularmente, estou feliz com o que defini aqui, e não vejo a hora pra puxar uma vítim… digo, a Olivia, para testar essa experiência comigo.

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Written by Vitoria Faria

(ela/dela) - Súcubo dorky que gosta um pouco demais de jogos de mesa - Faz outras coisas na vida, mas raramente fala sobre - Travesti, sáfica e poliam

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