Meninas monstro, Old-school Essentials, habilidades de ladino e outras coisas da vida
Algumas semanas atrás, eu fiz um pequeno projeto de RPG com a Gabi Coutinho, eu tinha com ele três objetivos principais:
- Como uma boa patrona demoníaca, incentivar e testar as habilidades de ilustração e diagramação da Gabi, em especial ver o quanto ela conseguia entender e reproduzir o ethos de apresentação da OSE.
- Entender como o sistema de publicação do DriveThruRPG funciona.
- Mandar shade pra galera dos minotauros escravagistas mono-sexuais, como de costume.
Julgo todos os três muito bem sucedidos, mas tendo isso dito, uma mulher não vive só de ambições objetivas. Me divertir com o espaço de design bizantino, quase ao ponto do arbitrário, de OSE, e de D&D básico clássico em geral, é sempre bem vindo. Então vamos falar um pouco disso.
As (não tão) boas e velhas habilidades de porcentagem
Antes de estudar D&D clássico eu julgava as habilidades de porcentagem de ladino as coisas mais deselegantes, aleatórias e cheias de contraste e contradição, se comparadas ao resto das regras do jogo. Depois de todo meu ávido estudo, lendo dúzias e mais dúzias de jogos desse nicho… Eu ainda acho que são as coisas mais deselegantes, aleatórias e cheias de contraste e contradição que eu já vi na vida.
A história de como elas surgiram (ou foram roubadas) é em si muito interessante e rendia todo um artigo dedicado, mas vamos deixar isso para outro dia. Ao invés disso, vamos focar no que elas são, e como são usadas de fato.
Uma "sabedoria popular" no mundo da OSR, que infelizmente é raramente escrita nos manuais dos jogos de fato, é que essas habilidades funcionam menos como perícias de jogos modernos, e mais como habilidades sobrenaturais. Quando um ladino "se esconde nas sombras", ele não está simplesmente se escondendo como uma pessoa comum, ele está realmente se posicionando em uma sombra literal na sala, o que, de alguma forma, que realmente nunca é explicada, o faz sumir completamente, indetectável na sala por qualquer criatura hostil que não use alguma forma de detecção mágica, ponto.
Isso explica alguns quirks de design dessas habilidades, como o fato de que elas tem probabilidades de sucesso absurdamente baixas em níveis baixos. Elas devem ser tratadas como façanhas quase lendárias, que podem, e devem, ser um pouco disruptivas no fluxo de combate e exploração de masmorra padrão, mantido pelas outras classes.
Leitores atentos devem estar se indagando "hey, isso meio que parece um sistema de magia" e sim, se pararmos pra pensar, ironicamente isso pode ser interpretado como um sistema de magia não vanciano, que já estava lá desde o início, e só não era tratado como tal.
Muita gente também percebeu isso, inclusive o Gavin Norman, criador do OSE, que em sua zine oficial, Carcass Crawler, apresentou várias classes originais baseadas nesse conceito, como Acolyte e Mage, que são, respectivamente, um clérigo e um mago que, ao invés de usar magia vanciana, usam magias ativadas por habilidades de porcentagem.
Porcentalizando(!?) monstros
Tendo tudo isso em vista, é trivial usar o mesmo padrão de design para expressar habilidades de "classes monstro" que seriam disruptivas demais para serem usadas sem limitações em níveis baixos, mas que ao mesmo tempo são inatas demais para serem representadas por "espaços de magia" vancianos.
Foi essa a lógica que eu usei para implementar coisas como o toque drenante de uma súcubo ou o olhar petrificante de uma medusa. Cada uma dessas habilidades começa com porcentagens de sucesso bem baixas, ao ponto de serem quase milagres em níveis mais baixos, e vão se tornando mais consistentes e confiáveis ao longo do tempo.
Essa desgraça realmente funciona?
Existem ótimos motivos para esse tipo de design ter sido abandonado em basicamente qualquer ramo de jogo moderno, e até em jogos OSR, que tendem a os substituir por rolagens de d6 mais simples, hoje em dia.
É difícil de justificar o uso de d% para esse tipo de coisa, a granularidade é alta demais de maneira que raramente faz muito sentido, uma chance de 90% e uma de 92% são realmente diferentes o suficiente para justificar dois espaços de uma tabela? Eu diria que não. E quando as chances começam a passar de 95%, nos níveis mais altos, qualquer pretensão de equilíbrio é jogada pro espaço.
Ainda assim, eu me permito gostar de coisas que são imperfeitas, especialmente quando tenho ciência e sou clara sobre elas com as pessoas que jogam nas minhas mesas. Já me diverti bastante rodando esse tipo de jogo e espero que tenham a chance de se divertir com eles também.