Hora de Aventura RPG — Minha ideia de um jogo acessível e atraente

Vitoria Faria
5 min readJan 20, 2023

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Capa do jogo
Come along with me, and the butterflies and bees…

Eu vou começar uma série de textos em que eu faço uma resenha livre de alguns sistemas de RPG que eu gosto, em que faço muito pouca questão de ser lá muito formal e completa. Sou mais eu nerdando de maneira apaixonada mesmo. Acho que não tem sistema que corporifica esse espírito melhor que o de Hora de Aventura, então vamos lá.

Eu realmente não consigo falar desse RPG sem tratar do elefante psíquico de guerra pré-histórico na sala antes, por motivos que eu não tenho certeza e posso apenas especular, ele só foi realmente licenciado, lançado e distribuído na Espanha e no Brasil, até onde eu sei. Eu francamente acho isso um insulto, se lançado nos EUA com certeza teria criado uma comunidade gringa forte e dedicada, mas pro bem ou pro mal, esse jogo é um privilégio latino.

Por que eu acho isso uma tragédia? Muito simples, eu acredito que esse seja simplesmente o melhor sistema a ser apresentado para iniciantes e crianças que eu conheço.

Do que consiste um RPG bom pra iniciantes é um tema muito debatido em qualquer comunidade construída em torno desse tipo de jogo. Eu não acredito que exista um sistema universalmente bom para qualquer iniciante, e isso continua verdade aqui, com certeza esse sistema não vai bater bem ou ser intuitivo pra todo mundo. Isso tudo depende muito de como a pessoa enxerga a ideia de RPG e o que ela deseja de um.

Tendo isso em vista, eu geralmente vejo sugestões de jogos para iniciantes que eu considero um tanto… equivocadas… para dizer o mínimo. Desde a galera que recomenda D&D só por ser mais popular, até a galera que recomenda alguns jogos narrativistas minimalistas que demandam uma carga cognitiva absurda de quem de fato está lá jogando.

O RPG de Hora de Aventura oferece um destilado maravilhosa de vários paradigmas de jogo, pega tudo que é mais acessível, e também o que é mais atraente, de todos eles e coloca num pacotinho organizado e de apresentação bonita, bem feita e gostosa de ler. Vou apontar algumas das decisões de game design que fazem isso funcionar.

Atributos e Proezas

Print de atributos e proezas
O grosso da parte mecânica da ficha é realmente isso

O jogo possui nove atributos de personagem, daí você já dever estar se perguntando “nove atributos, como diabos um jogo com tantos pode ser acessível?”, a resposta é muito simples, existem nove no total, mas você só realmente precisa focar e se preocupar com três por personagem. Um com valor de 5, outro 4 e mais um com 3, os outros você pressupõe que é 2 e nem precisa anotar na ficha. Cada unidade do valor é um dado d6 a ser rolado em um teste, sendo um resultado de 4 ou mais em cada dado um sucesso.

Cada uma dos atributos que você escolheu para focar tem espaços para escolher “proezas”, que são o equivalente a feats ou poderes nesse jogo, e temos muitas delas! Agora, é esse ponto em que esse jogo brilha mais em relação a outros jogos normalmente recomendados para o público iniciante ou infantil, quase todo mundo parece ignorar que esse público adora listas de poderzinhos! E, caramba, como a minha criança interior adora a lista de poderzinhos desse jogo! Jogos minimalistas demais e abstratos demais simplesmente não conseguem reproduzir esse tipo de apelo.

Ações

Eu realmente estranho jogos que não oferecem algo assim hoje em dia, só nos mega minimalistas mesmo eu perdoo

Ao contrário de certos jogos que te empurram um poder para melhorar suas rolagens de furtividade sem te explicar direito que nesse jogo é esperado que alguém eventualmente tente ser furtivo (sim, eu estou olhando pra você na minha estante, Tiny Dungeon, mas você é papo pra outro dia), O RPG de Hora de Aventura oferece uma lista de várias ações que são esperadas na experiência de jogo, completas com níveis de sucesso sugeridos. A lista não tem intenção de ser compreensiva, e sugere a liberdade de criação de novas ações se necessário.

Ironicamente, nesse ponto, o jogo é até mais completo que D&D 5e que nem porcamente te diz como interpretar testes de perícia em ações de combate explicitamente, daí geral das antigas simplesmente chupa as respostas da 3.5. Me diz aí, rápido, como funciona uma intimidação em combate na 5e?

Imagina não precisar fazer abjudicação de narrador pra uma das coisas mais básicas e óbvias a se fazer num combate?

Arroz e feijão

Falem bem ou falem mal, a verdade é que muitos lugares comuns dos RPGs clássicos ainda estão lá por um bom motivo. É absolutamente saudável e construtivo questioná-los e tentar criar jogos sem eles, mas na maioria dos casos isso deve ser um caminho bem pensado e opinionado.

Um exemplo muito bom é a boa e velha ordem de iniciativa. Tem poucas coisas que me doem mais do que ver gente recomendando jogos ultra narrativistas, em que o que acontece “acontece no fluxo natural da conversa” para iniciantes. Isso deve ser maravilhoso para um conjunto unicórnio de pessoas em que todo mundo é perfeitamente extrovertido no mesmo nível, mas eu te garanto que não vai ser seu caso, como a eterna introvertida tímida do rolê, falo por experiência própria.

Não que esse tipo de jogo não funcione, muito pelo contrário, eu mesma jogo e adoro alguns jogos assim, e na minha opinião funcionam super bem pra iniciantes em alguns contextos muito específicos, tipo em fóruns de RPG por texto. Mas em uma uma mesa rápida presencial de convenção ou evento? Não tão bem, a menos que você se sinta super confortável em ter uma pessoa super excluída no canto. Eu não me sinto.

O RPG de Hora de Aventura oferece um combate clássico simplificado com uma boa e velha ordem de iniciativa e rodadas com turnos de ações e movimentos, o que pra proposta funciona super bem, é Hora de Aventura, batalhas cartunescas são parte do charme.

Conclusão

Quem conhece os sistema deve ter reparado que eu deixei muita coisa de fora dessa conversa, como o sistema de magia, pontos de herói, sucessos magníficos e etc. Reiterando, eu não estou aqui pra escrever uma resenha completa, a ideia era mais falar sobre alguns pontos que eu gosto no sistema e explicar porque eles são benéficos nos contextos que eu aplico.

E, é claro, nerdar bastante sobre um jogo pelo qual sou apaixonada, e caramba, como esse jogo é apaixonante. Confesso que o narrei mais na minha época de rata de evento e infelizmente só tive uma experiência de o narrar para pessoas próximas, mas pretendo fazer isso bastante no futuro.

Mesmo pra quem não é exatamente iniciante é uma experiência muito única e cheia de charme, com certeza é o sistema que eu conheço que eu vou recomendar mais livremente e sem ressalvas.

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Written by Vitoria Faria

(ela/dela) - Súcubo dorky que gosta um pouco demais de jogos de mesa - Faz outras coisas na vida, mas raramente fala sobre - Travesti, sáfica e poliam

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